20 agosto, 2010

Viajar para viver


Viajar é uma forma de abrir nossa cabeça, pois saímos da zona de conforto. Então como criar um espírito de viajante para aproveitar melhor todas as viagens?
Explorando seu lado criança, ou felino de curiosidade máxima, de interesse pela cultura alheia, de observador aguçado e esquecer o comparativo e as comodidades de sua casa ou de seu país.
Em resumo se abrir ao novo sem reservas.
Viajei  também por obrigações de trabalho, mas também por puro prazer e vontade de aprender, sempre viajei muito.
Estive em vários estados brasileiros – em alguns, várias vezes – e ainda que demore longos anos tenho planos de  explorar o mundo,e quem sabe conhecer a Antártida.
Nessas viagens, conheci, claro, muitas coisas interessantes e outras nem tanto. E estive em lugares de diferentes  tipos. Alguns maravilhosos, outros deploráveis, mas de todos guardo lembranças de experiências que me ajudaram a ser melhor.
E conheci também muitas pessoas interessantes. Tenho uma verdadeira coleção de tipos com quem interagi e que me ensinaram alguma coisa. Lembro- me da história contada por Eugenio Mussak de um senhor de certa idade que sentou ao seu lado num voo internacional. Antes de embarcar, ele havia passado na livraria do aeroporto para comprar um lançamento de seu autor favorito.
Logo que embarcou, tratou  de se acomodar na poltrona, ávido para começar a leitura. Mas, logo após a decolagem, enquanto  ainda estava nas páginas iniciais, notou que o distinto cidadão ao lado estava com o corpo ligeiramente curvado em sua direção e os olhos esticados, tentando ler seu livro. Isso o intrigou e então olhou para ele fixamente.
Ele, então, sorriu meio sem jeito, mas com simpatia me perguntou: – Desculpe, você gosta de ler?
Levou um instante para responder   porque naquele instante  não queria papo, eram os poucos momentos de relax antes de encarar uma reunião chatérrima com fornecedores .
Coincidência ou não, a crônica falava justamente sobre diálogos e  então aquilo quebrou sua resistência.
– Sim, mas não sobre tudo – respondeu, cuidando para, junto com a resposta, devolver o sorriso que o estranho ao seu lado lhe dava.
–  Com certeza, é que gosto de quando as pessoas me recomendam um livro e como também gosto de ler gostaria de uma sugestão para minha próxima compra .O que está achando dele?
– Na verdade, acabei de começar a leitura, mas estou animado. Gosto deste autor porque aborda temas atuais , viagens e tudo com leveza e congruência de opinião.
– Entedi . Eu aprecio livros sobre viagens . Aliás,  gosto de escrever sobre viagens. Você já reparou como os livros que relatam viagens encantam as pessoas?
Aí realmente ele se interessou  pelo simpa´tico vizinho de poltrona, afinal viajar era também um dos meus maiores prazeres e respondeu:
– Nunca tinha parado para pensar sobre isso, mas acho que você tem razão, pois viajar é um forte desejo humano. Além disso, ler um livro é como fazer uma viagem. Tanto a viagem como o livro nos colocam frente ao desconhecido, que é, ao mesmo tempo, excitante e intrigante.
– Sim, praticamente todos os grandes livros são excitantes . Veja o primeiro grande autor, Homero. Na Odisseia, Ulisses, após a guerra de Troia, trata de voltar para casa e inicia uma viagem cheia de aventuras, ao mesmo tempo em que Telêmaco, seu filho, viaja para procurá-lo. Se você pensar bem, verá que essa história poderia ser definida como a viagem de encontro ao destino de cada um.
Estava começando a gostar daquele sujeito . Era bem-humorado, entendia de literatura e ainda fez uma rápida análise psicológica de um clássico. Resolvi cutucá-lo. Se a conversa estivesse boa ele poderia dar-lhe corda, se não, tinha a desculpa de voltar à leitura.
– Camões escreveu algo parecido em Os Lusíadas onde  Vasco da Gama também é protegido por alguns deuses e perseguido por outros. E você reparou que, em ambos os casos, o objetivo final da viagem é voltar para casa?
Fico pensando que será esse  o objetivo de qualquer viagem.?  Voltar para casa.
– Ou voltar-se a si mesmo – continuou ele. – Olhar o exterior para entender melhor o interior. Você tem razão quanto ao destino final.
Veja o caso de a Volta ao Mundo em 80 Dias, de Jules Verne, que parte de Londres com destino a Londres. Ele viaja para o leste e volta pelo oeste. Só que, quando volta, ele é outra pessoa, menos esnobe, mais humilde, melhor. Está apaixonado pela princesa que conheceu na Índia, mas, na verdade, o que aconteceu é que ele desenvolveu uma nova paixão pela vida. Através da aventura e do amor, ele reencontrou o homem que já tinha sido e do qual tinha se afastado em função das convenções e obrigações sociais, muito fortes na Inglaterra .
– Ele volta diferente, melhor do que era antes de partir. A conclusão é que a melhor parte de uma viagem é a volta? – perguntou.
– Não, a melhor parte é o aprendizado.
– Então, em sua opinião, as viagens são tão atrativas por serem metáforas da própria vida?
– Sim , creio que  nosso interior é o território mais misterioso. Mas não estou me referindo ao corpo, e sim à alma humana. E, preste atenção: todos nós nascemos viajantes, mesmo quem não viaja, pois, se pensar bem, você verá que a verdadeira viagem fantástica é a própria vida.
– A verdadeira viagem fantástica é a própria vida… – pronunciou, lentamente, falando consigo mesmo, em uma reação própria de alguém que tem um imenso e maravilhoso insight.
Já se passaram cerca de 10 anos desde esse encontro. Ele não lembra o nome do viajante, gringo,  nem se o diálogo foi exatamente assim. Mas  lembra bem do assunto que tratou e, sobre ele,  que estava morando no Brasil porque havia se apaixonado primeiro por uma brasileira do Norte e depois por nossa cultura, música e comida.
Recordou as analogias da viagem com a vida, do fato de que os confortos e as dificuldades, as alegrias e os aborrecimentos, as idas e as vindas de uma viagem são um paralelo perfeito da própria existência humana.
E lembro que ele citou Bob Dylan antes de pedir licença e se recostar na poltrona para dormir o resto do voo:
– Yes, my friend: “Life is nothing but a trip”. (“A vida nada mais é do que uma viagem.”)
 Assim o ilustre companheiro de bordo o deixou com o livro nas mãos, a cabeça cheia de pensamentos e o coração pulsando com a idéia de que a vida é uma viagem fantástica.
Nunca mais ele parou  de se considerar um viajante para seguir em frente, seja em outro continente, seja em seu próprio bairro.
Na prática é  fundamental definir bem o roteiro para não ter surpresas ruins na viagem. Principalmente se você for como eu que detesta viagens por agência e o planejamento engessado que elas oferecem.
 Há dois tipos de viagem que eu gosto: as que  planejo nos mínimos detalhes e as que  faço sem planejar nada.
É claro que as viagens planejadas são mais confortáveis têm menos surpresas, mas não podemos esquecer que as surpresas fazem parte dela. Aliás, viajamos para nos surpreender com o mundo.
Atualmente, eu prefiro planejar até certo ponto, como definir bem as datas de ir e voltar, reservar a hospedagem, mas gosto de deixar espaço para o improviso, para a aventura.
Viajar é uma das melhores sensações da vida. O dinheiro aplicado em uma viagem não é um gasto, e sim um investimento.
Seu retorno vem em forma de cultura, de entendimento, de percepção, de experiência e, principalmente, em forma de vida.
Uma viagem não se esgota no retorno.
Continua em nossa lembrança em forma de imagens, sons, cheiros, texturas.
Lembro quando viajei para Agulhas Negras para uma escalada , com amigos do trabalho e numa noite gélida e estrelada  de repente  um deles  esticou o braço para o céu, apontando para um lugar no meio da escuridão, e disse:
Uma estrela cadente!
 Eu apertei os olhos e fiquei  horas tentando encontrar outras porque até então  nunca tinha visto uma, e para mim aquilo era apenas real nos livros que li quando criança, mas não , elas eram reaisnaquele momento e me emocionei ao ver uma delas rasgando o céu numa beleza ímpar.
E então me remeto novamente a Eugênio no mesmo texto que mencionava:
– Para onde ele está indo? – perguntei, provavelmente só para dizer alguma coisa para cortar aquele silêncio.
Ela está sempre em movimento – explicou o amigo. – Não precisa ter, necessariamente, um lugar para ir. Ela é  como um nômade que não sai do céu, mas está sempre viajando, pois essa é sua essência. Assim como as dunas, que se movem permanentemente, as estrelas não se detém.
E assim somos nós, humanos, que também precisamos do movimento para não sermos cobertos pela poeira do tempo e pelo mofo da acomodação.
Uma viagem pode não ser a vida, mas é uma bela metáfora dela, pois nos faz defrontar uma realidade maior e nos abre a alma para o entendimento.
Entretanto, sempre é bom lembrar que viajar tem partes, e uma delas é a volta para casa.
E feliz daquele que considerar esta como uma das melhores.
Entre outras coisas, viajar nos ensina a amar nosso lar, nosso país, nossa gente.
Afinal, como disse Goethe, sábio é aquele que consegue criar, para seu uso, “raízes e asas”, essas duas maravilhosas possibilidades humanas.
Esse autor é fascinante, recomendo!!
E eu aqui contando os dias para viajar....

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