13 fevereiro, 2012

A tirania do fraco

Se um fraco está pendurado na sua vida, o mais provável é que ele não seja tão fraco quanto você está pensando.
Nada pesa mais do que um fraco cravado na nossa jugular.
Dele a gente se queixa e lamenta. Dele a gente teme que privado do nosso apoio se mate, se deprima.
“Se eu largar dela, ela morre”, diz um amigo para outro.
Há anos, este tem sido seu refrão e sua verdade. Uma verdade confirmada pelos prantos convulsivos da mulher no princípio do casamento, às primeiras sugestões de separação. Sacramentada pelos acidentes domésticos que ela sofria eloqüentemente a cada novo período depressivo, acalmado pelos tranqüilizantes excessivos que fazia questão de tomar e alardear. E coroada por duas tentativas de suicídio....
 Um quadro clássico, com excessos barrocos.
Ele realmente é forte, bonito, rico, bem-sucedido. Enfim, um daqueles grandes homens à sombra espessa que ele projeta se abriga apenas aquela mulherzinha de nada, delgada, fraquinha, dependente. Tão fraquinha e dependente, que mantém o homão preso, amarrado ao pé da cama matrimonial.
Ela já desistiu de se queixar. Ficou estabelecido que não irá embora nunca. Ela, embora sorva de canudinho sua lenta infelicidade, se sente segura. Quando chegar a hora fará até uma operação plástica, para apresentar-se bem jovem às bodas de prata. E todos louvarão a longevidade daquele casamento.

Aí está como fraqueza de uma pessoa pode escravizar outra por toda a vida.
Mantendo o mesmo cenário e e variando os atores, ou  mudando a angulação da câmara são  inúmeras as situações de tirania emocional entre pais e filhos, marido e mulher, chefe e empregado, irmãs e irmãos, onde quer q haja uma relação em desiquilíbrio ,a trama se repete.
Qualquer um que tenha um olhar e percepção mais aguçado identifica essas relações nada saudáveis.

“eu sou tudo para ela”, me confidenciou certa vez o belo amigo, quando eu ainda tinha paciência de ouvir suas confidências conjugais. Achei eloqüente e ingênuo.
 Está aí uma coisa que merece reflexão, alguém que é tão tudo para outro, a ponto desse outro não ser mais ninguém.
“Você entende”, ele me explicava confiante, “eu é que trago amigos pra casa, que recebo os convites, que ganho dinheiro. Eu que animo a vida dela. Sem mim, ia ser um deserto”. Isso ele me dizia quase tentando racionalizar o porquê de tanta dependência.
E sem se perguntar nem por um minuto, de que modo a vida dela havia ficado tão árida.
Não é fácil descobrir. Começa que ela não é brasileira. Hoje já podemos dizer que seja, mas não era quando se conheceram, em Londres.
Ela era canadense, e estava fazendo um curso de teatro. Sua vida, naquele momento, estava preenchida por uma porção de amigos, a ilusão de uma vocação, uma dosezinha de narcisismo, a rotina de um aprendizado, e sonhos de glória...ele apareceu, e acabaram casando.
Aparentemente, ele gostava de sua veia teatral, do ambiente de boêmia em que ela circulava. Prometeu que no Brasil ela continuaria, que faria sua carreira. E estava de boa fé. Ambos estavam. Mas ela não falava português, não conhecia o ambiente teatral, teve o primeiro filho e foi ficando presa em casa, anevoando aos poucos os sonhos. E enquanto isso ele subia.
Está certo, ela provavelmente não tinha talento para ser nenhuma Fernanda Montenegro. Mas é fato que tinha, no começo de tudo, algo mais na sua vida, do que apenas ele.
Está certo, que ele também não é nenhum dragão seqüestrador de donzelas. Ele não a trancou em casa. Mas é fato que não a ajudou a criar situações para ela sair, e que aos poucos, até por culpa de tê-la tirado do seu ambiente, foi respondendo com força cada vez mais protetora ao progressivo enfraquecimento dela.

DÊ-ME SEUS CANINOS, QUE EU FORNEÇO A JUGULAR

As pessoas não se escolhem por acaso. Isso é fundamental para a gente entender como funciona essa suposta tirania do fraco. Nem as pessoas se escolhem apenas por suas virtudes. As pessoas se escolhem com grande discernimento, por suas virtudes e seus defeitos, em igual, ou semelhante, proporção.
Meu amigo não casou com sua mulher somente porque um dia a viu andando em Trafalgar Square e achou suas pernas bonitas. Casou porque farejou nela a fraqueza, aquela fraqueza exata com que calçaria seu simpático egocentrismo. Nem ela o preferiu a tantos outros pelo brilho tropical dos seus olhos. Mas sim porque aquele forte a abrigaria bem, tirando-a da lição da vida.

Ninguém é vítima de ninguém. Somos, eventualmente, vítimas de esquemas que nós próprios armamos, inconscientemente, e de parceria.
Não podemos esquecer que uma escolha amorosa pressupõe reciprocidade.
Como diz Jean- G. Lemaire, francês terapeuta de casais: “Para que um casal aconteça, e dure, é necessário que os dois parceiros encontrem nessa ligação vantagens no plano psicológico”. Não basta, portanto, que só um satisfaça suas necessidades internas, ou encontre no outro identificação. É preciso que o outro também esteja bem alimentado psicologicamente.

Freud, em seu Três Ensaios,  tratou do problema da escolha, que segundo ele se processa em função do apoio, da escora que o parceiro pode dar. Escolhe-se para preencher necessidades. A este tipo de escolha, o próprio Freud acrescentou mais tarde, no livro Introdução ao Narcisismo, a escolha baseada na relação que cada um tem consigo mesmo, a que ele chamou: “escolha do objeto narcísico”. Assim, amaríamos:
a) O que somos.
b) O que fomos.
c) O que gostaríamos de ser.
d) A pessoa que foi uma parte de nós mesmos.
E a estas categorias Freud ainda acrescentou “a qualidade que gostaríamos de ter”. Trata-se, portanto, de escolher alguém que corresponde à imagem ideal que fazemos de nós mesmos, uma espécie de escolha por espelho melhorado.
Essas teorias foram depois enriquecidas por outras, completadas por novas visões. Mas já assim, usadas por nós sem qualquer pretensão de requinte científico, dão pano para mangas.

No caso do casal de que falava, por exemplo, é bastante óbvio que ela ama nele justamente a força, o brilho que a esmagam. Afinal, embora sem ser profissional dos palcos, ele é um grande ator na comédia da vida, sempre sob os holofotes do sucesso, sempre falando, como quem conhece bem suas falas, para um público atento. Ele é tudo o que ela gostaria de ser, é como ela se idealizava quando o conheceu.
Mas ele, onde se identifica com aquela pessoa apagada, dependente? Aí é que está o lado menos aparente da questão. Ele se identifica justamente com essa falta de luz, porque todo forte gostaria de ser fraco.
Ser superforte o tempo todo, dominante o tempo todo, brilhante o tempo todo, é um cansaço só suportável por quem não tem outra saída.

Lembro de um relato que li sobre um paciente em terapia contando que no seu  tempo de forte da família sonhava com desmaios. No sonho, alguma coisa dramática ou assustadora acontecia, e , pum, apagava. Essa possibilidade de sair de cena na hora agá, e deixar que outro resolvesse o problema lhe parecia encantadora. Sobretudo porque sabia que isso nunca aconteceria na vida real em momentos de crise, quando jamais se permitiria algo mais do que sangue frio.

É o típico desabafo de forte, do tipo: que bom seria largar tudo, jogar as responsabilidades às traças, virar irresponsável eterno.
Mas os fortes não podem.
 Desde cedo seu papel foi escolhido e imposto, em sua imaginação, como o único capaz de atrair o amor dos outros, a admiração de que tanto necessitam.
Abrir mão dele seria, ainda que imaginariamente, ser desamado.
Portanto, quando digo que o forte gostaria de ser fraco, estou dizendo que o forte gostaria de ser amado sem precisar despender tanto esforço, amado até por seus defeitos.
E tem mais. Assim como o fraco ama no forte a força que ele próprio guarda sem uso dentro de si (a moça, aquela, até aparentava alguma, antes de casar), o forte também ama e protege no fraco a mesma fraqueza que esconde em si com tanto cuidado.

NINGUÉM FAZ TIRANIA SOZINHO

Com isso tudo não estou querendo negar que os fracos existem, muito menos que sempre exercem tirania sobre os outros.
Estou apenas mostrando que se trata de uma tirania consentida e fomentada.

Segundo a terapeuta americana Marilyn Gilchrist, a fraqueza pode ter sua origem infantil na relação excessivamente protetora dos pais. Estes, superprotegendo a criança, estão, ao mesmo tempo, cultivando sua dependência, e negando suas capacidades individuais. Com isso, a auto-estima pode ficar seriamente danificada para o resto da vida. A tendência será então procurar parceiros fortes, que assumam o papel inicialmente representado pelos pais.
Mas o mesmo resultado final pode advir de pais negligentes ou ausentes, pois uma criança que não recebeu suficiente amor pode transformar-se num adulto eternamente carente.
Eu acrescentaria ainda uma outra possibilidade. A de que pais que depositam nos filhos expectativa excessiva também correm o risco de enfraquecê-los. Sentindo-se incapaz de preencher sonhos tão maiores do que ela, a criança passa a sentir-se incompetente, negando-se a participar ativamente da luta da vida.

Desde cedo, o fraco descobre que é justamente através de seu ar desamparado que recebe afeto e proteção. Para cada fraco há um forte disponível. E assim ele descobre também que não vale a pena fortificar-se. Pior, passa a identificar seu próprio fortalecimento com a perda de afetos.
A mulher do meu amigo bem que gostaria de tornar-se forte. Mas, na teoria. Na prática, está certa de que ele a largaria se isso acontecesse (e é quase seguro que a largaria mesmo, pois estaria desfeito o laço neurótico que os amarra).
 E, como ela ainda não está forte, acha que não sobreviveria sem ele. Razão pela qual desiste de se fortalecer.
O círculo vicioso está fechado, com ela dentro.

Entretanto, não é só o parceiro amoroso que é vítima e reforço da tirania do fraco. De forma mais indireta, todo o entourage de amigos e parentes participa do esquema.
Dou um exemplo, e é autêntico, razão pela qual omito nomes. Homem inteligente, bem dotadíssimo. Todos o amam. Mas de alguma maneira, até velada, ele é um fraco. Tem uma tia. Nem pai, nem mãe que, enquanto vivos, viam nele o deus da família. E é à tia que ele sempre recorre. Para pedir algum dinheiro emprestado, para resolver algum problema pendente, porque precisa de uma assinatura. Não é um marginal, não, absolutamente, é solto, filósofo, poeta. Vive de fazer música, quando faz. Dá tudo o que tem, toma dos outros quando precisa. E todos dão. A tia que se queixa, os amigos que comentam, todos estão sempre prontos, e com prazer, a preencher suas necessidades.
A tia lucra com isso, na medida em que se sente indispensável, logo ela, solteira sem filhos, que sem a dependência do sobrinho amargaria talvez um sentido de inutilidade. Os amigos também lucram. O poeta carente permite que eles usufruam de um sentimento de generosidade.
Neste quadro, por que romperia o poeta com um esquema tão bem azeitado e lucrativo para todos? Onde encontraria forças – ele que não as tem – para sair da dependência? Depois de alguns tropeços e auxílio terapêutico ele se libertou do círculo vicioso, afinal não é só em hollywood que temos finais felizes, na vida real com um pouco de esforço todos temos capacidades para conseguir.

PARA ACABAR COM O FRACO, O MELHOR É MATAR O FORTE

O que nos alivia, na vida é que podemos sempre quebrar os esquemas. No caso dele, houve, acredito, um trabalho inconsciente em duas etapas.
Primeiro decidiu viver na medida que considerava sua, e não naquela alucinatória estabelecida pelos pais e tia.
Saiu da estratosfera.
Segundo, meteu-se num esquema de vida familiar em que as pequenas e amorosas ajudas dos amigos já não seriam suficientes.
A continuar vivendo como vivia escorado por amigos e tia, as escoras teriam que ser tão relevantes, que nem uns nem outra as forneceriam mais de boa vontade. O sistema de proveito geral estava rompido.
E a partir daí ele foi obrigado, se obrigou, a responsabilizar-se por ele mesmo. E voou livre.
Livres podem voar todos, fracos opressores e oprimidos, fortes tiranizados e tiranos, desde que trabalhem para isso.
Acho que o primeiro passo está na transformação do lamento. Se o forte parar de se vitimizar – e é engraçado notar que, neste papel, ele assume quase indisfarçadamente o lugar do fraco, em vez de dizer “não posso porque senão o outro morre”, perguntar “será que o outro morre mesmo?” pode obter respostas curiosas.

Poderá depois refletir sobre outra coisa: o fraco não exerce sua tirânica fraqueza com qualquer um, ele escolhe muito bem os alvos porque sabe que um alvo errado não acataria suas chantagens, pularia fora imediatamente. Cabe ao forte perguntar-se por que ele é um alvo tão perfeito.
Há mais uma série de perguntas muito proveitosas no processo de libertação: será que o fraco que protegemos tanto, à custa da nossa própria liberdade, está lucrando com isso mais do que perdendo?
 É bom o que lhe fazemos?

O mais importante, porém, é que de fato a gente queira se livrar desse jogo que, embora parcialmente, nos esmaga.
A maioria dos fortes que quer se libertar de fracos tenta fazê-lo através de modificação do fraco. É sempre mais fácil, ou assim acreditamos, modificar os outros. Mas mudar o fraco de nada adianta se não houver também mudança do forte.
A melhor maneira de fazer com que o fraco tire os dentes da nossa jugular é lutar contra nosso desejo de oferecê-la.
Se há algo a modificar, podemos começar por nós mesmos, por essa necessidade de afirmar nosso valor através de doações constantes. Ou por nosso prazer em ser tudo o que a “caixa” do outro quer, ...... ou, ou, ou....

Assim, estaremos colaborando na transformação do fraco.
 Pois se a escolha é um jogo de reciprocidade, e se a necessidade de um se altera, forçosamente deverá se alterar a do outro. Ou ocorrer a ruptura.
Essa ruptura de que tanto fugimos, mas que, no fundo, pode significar a libertação dos dois, e seu futuro crescimento.

07 fevereiro, 2012

O Cativeiro - Eliane Brum

O Zoológico de Sapucaia do Sul abrigou um dia um macaco chamado Alemão. Em um domingo de sol, Alemão conseguiu abrir o cadeado e escapou. Ele tinha o largo horizonte do mundo à sua espera. Tinha as árvores do bosque ao alcance de seus dedos. Tinha o vento sussurrando promessas em seus ouvidos. Alemão tinha tudo isso. Ele passara a vida tentando abrir aquele cadeado. Quando conseguiu, virou as costas. Em vez de mergulhar na liberdade, desconhecida e sem garantias, Alemão caminhou até o restaurante lotado de visitantes. Pegou uma cerveja e ficou bebericando no balcão. Os humanos fugiram apavorados.
Por que fugiram?
O macaco havia virado um homem.
O perturbador desta história real não é a semelhança entre o homem e o macaco. Tudo isso é tão velho quanto Darwin. O aterrador é que, como homem, o macaco virou as costas para a liberdade. E foi ao bar beber uma.
Um zoológico serve para muitas coisas, algumas delas edificantes. Mas um zoológico serve, principalmente, para que o homem tenha a chance de, diante da jaula do outro, certificar-se de sua liberdade. E da superioridade de sua espécie. Pode então voltar para o apartamento financiado em 15 anos satisfeito com a vida. Abrir as grades da porta contente com seu molho de chaves e se aboletar no sofá em frente à TV. Acorda na segunda-feira feliz para o batente. Feliz por ser homem. E por ser livre.
Há duas maneiras de se visitar um zoológico: com ou sem inocência. A primeira é a mais fácil. E a única com satisfação garantida. A outra pode ser uma jornada sombria para dentro do espelho. Sem glamour e também sem volta.
Acompanhe, se quiser.
O babuíno sagrado tem um nome comum. Beto. À espreita, lá onde os olhos se misturam com a mente, há o mais perigoso tipo de fúria. A da importância. Beto dá voltas e mais voltas na jaula, esmurra as grades. Atira comida e fezes nos visitantes. Espanca a companheira se ela não faz tudo o que ele quer. Não admite que emita um som sem a sua permissão. Não deixa que arrede pé sem a sua complacência. Se o faz, Beto cobre-a de tapas. Se a tiram de perto dele, Beto piora. Começa a arrancar pedaços do próprio corpo. Durante as crises, Beto toma dez miligramas de Valium por dia.
Os tigres-de-bengala são reis de fantasia. Têm voz, possuem músculos, são magníficos. Mas nascidos em cativeiro, já chegaram ao mundo sem essência. São um desejo que nunca se tornará. Adivinham as selvas úmidas da Ásia, mas nem sequer reconhecem as estrelas. Quando o sol escorrega sobre a região metropolitana, são trancafiados em furnas de pedra, claustrofóbicas. De nada servem as presas a caçadores que comem carne de cavalo abatido em frigorífico. De nada serve a sanha a quem dorme enrodilhado, exilado não do que foi, mas do que poderia ter sido. E que jamais será.
Anos atrás, um de seus bisavôs galgou a escada do tratador e espiou para além dos muros. Foi o mais longe que um deles chegou. São poderosos, os tigres-de-bengala. Mas quando chega a hora de serem confinados na caverna escura de sua escravidão, viram as costas para a Lua que aponta como promessa e marcham para a jaula. Alquebrados, submissos, como o mais vil animal da floresta.
A ursa-de-óculos é chamada de Peposa. Como se brinquedo fosse. O filho se chama Rayban, também muito engraçadinho. Quando nasceu Rayban, ela fez o que as mães costumam fazer: ensinou a ele a arte da resignação. Pegou-o pela orelha e carregou-o até as entranhas da furna na hora marcada. Hoje, Rayban vai por sua conta. Mas, todos os dias, Rayban desafia a mãe, se esgueira e testa o cadeado. Sem jamais ter aspirado o perfume gelado da cordilheira de seus ancestrais, Rayban não adivinha o que há do outro lado. Mas intui. E por ser criança ainda não desistiu de buscar.
Pinky vive só. Os outros elefantes, Nely e Mohan, caíram no fosso e sucumbiram. O fosso é a prisão dos elefantes. Mohan viveu seis anos acorrentado porque o cativeiro de sua espécie ainda não estava pronto. Quando o soltaram, durou três meses. Morreu tentando alcançar a liberdade. Ou apenas um dos cães que perambulam por lá e são achados aos pedaços. Dos três, Nely sempre foi a mais indomável. Dezenove anos atrás, matou um visitante. Um mineiro de Criciúma que comemorava a aposentadoria. Recém-liberto da solidão trevosa das minas de carvão, ele montou sobre Nely. Ela o derrubou sobre o chão e esmagou sua cabeça. Tão parecidos em sua tragédia, a elefanta e o homem.
Foram três as vezes em que Nely mergulhou no fosso. Numa delas, perdeu parte da barriga e uma mama na queda. Não desistiu. Morreu na terceira, tentando. Como nunca esquece, a elefanta Pinky assimilou o exemplo. E convenceu-se de que implacável é a punição para quem ousa dar um passo além do permitido.
A revelação dessa visita subversiva ao zoológico é que, no cativeiro, os animais se humanizam. O cárcere lhes arranca a vida, o desejo e a busca. E mais e mais vão se parecendo com os homens que os procuram na certeza de um álibi. Perigosa é a pergunta.
O que aconteceria se você encontrasse a chave do cadeado invisível de sua vida? O que aconteceria se você saltasse sobre o fosso de sua rotina? O que aconteceria se você desse o passo da elefanta?
Bem, talvez seja melhor caminhar até o balcão e beber uma.