24 junho, 2014

Cada um faz o que quer

Cada um faz o que quer. Nunca ouvi tanto essa frase como agora. Só que se todo mundo só fizer o que é de vontade própria, ninguém mais ajuda o outro, considera o outro, trabalha a preocupação de se tirar de cena para fazer algo em prol do sorriso alheio. Quem só faz o que quer está preparado para receber alguém que possa lhe dedicar os mais nobres sentimentos? A vida não vai nos tratar bem em todas as ocasiões, nem com as princesas da Disney é assim, e note que no lúdico tudo é possível. Não cuidar das coisas dos outros como se fossem nossas, não ter paciência para fazer tentativas, enaltecer os defeitos, esquecer de fazer elogios (ou pior – achar que isso não é preciso). Que capítulo da responsabilidade com os sentimentos alheios nós perdemos? Como vamos fazer para adquirir destreza com as adversidades da vida? As pessoas não se amam mais, elas se consomem. Um erro e está decretado o afastamento. Ela usa estampa selvagem. Ele não come japonês. Ele não tem carro. Ela mora com os pais. Ela não gosta de Game of Thrones. Não quero mais. Volto para o Tinder, o catálogo digital das relações sexo-afetivas efêmeras. Eu preciso do outro para alguns momentos, não para todos. Não pedimos mais desculpas, não sentimos a necessidade de dar uma satisfação. Dormimos juntos. Acordamos separados. Nunca mais vamos nos encontrar. Postamos no Instagram a frase “mais amor por favor”, mas não exercemos essa condição. O egoísmo condiciona nossas fraquezas. Os sentimentos negativos existem para nos treinar. Precisamos todos sair do centro do nosso bem-estar. Não tome uma pílula para diminuir a tristeza, experimente colocá-la pra fora. Não engula seu luto, não sofra a conta-gotas. Experimente viver com decência e coragem todas as sensações da falta de alegria. Nada é tão ruim quanto parece. Os desapontamentos têm função decretada em nossas vidas. São múltiplas as exigências para atender o ego. Como seria se você dedicasse sua vaidade ao exercício da sua inteligência, da sua simpatia? Nosso orgulho não pode durar uma encarnação e meia, mas nossa capacidade de nos tornarmos pessoas melhores pode ser eterna. A barreira narcisista com passagem só de ida é um desrespeito com a felicidade. Com a dos outros e com a sua. Não se iluda! As pessoas malham, ingerem orgânicos, vestem grifes, aplicam botox, viajam de primeira classe em 10 x no cartão, mas o sedentarismo intelectual é notável. Gritante. Desesperador. Seu consumo cultural e emocional é você mesmo? Volte dez casas no tabuleiro e vamos começar tudo de novo, precisamos de gente de verdade. Texto da jornalista Denise Molinaro.