Acabo de sair da biblioteca do centro que frequento, geralmente passo por lá enquanto espero minha irmã sair do curso.
Observei que sempre está por lá também uma garotinha, de poucas palavras e um olhar marcante , tentei puxar prosa duas vezes mas seu olhar censurante não nos levou a um papo, parecia incomodada em dividir aquele espaço com mais alguém.
Então hoje não é que ela veio toda prosa perguntar o que eu fazia ali?
Nada respondi- apenas esperando minha irmã
Eu também - respondeu ela - Espero minha mãe
E aí a prosa tomou seu rumo, guiada sempre por ela, afinal meu único interesse era conhecer o universo daquela garota aparentemente sizudinha....será apenas uma impressão???
Segunda pergunta: Você sabe inglês?
- Mais ou menos, dá para se comunicar - respondi.
- Olha meu livro de ciências - disse ela
-Caracas o livro era em inglês e ela tinha 12 anos!!!
- Perguntei: Faz tempo que vc estuda inglês?
- Desde bebê - respondeu ela - como se fizesse parte do programa de aleitamento materno , rsrs
Com uma frieza de que aquilo era algo tão comum.....logo hj que penei para conseguir uma vaguinha nas aulas de inglês na USP e assim desenferrujar o idioma.
- Depois ela me mostra as fases do nascimento de um bebê, primeiro o zigoto, divisão da célula, tal, tal....e pasmem ela chamou o milagre da vida de gosma nojenta, de verme... Mais frieza???
Eu serei tia daqui vinte dias e ainda que não como não se encantar com um zigoto que seja, ou estou sendo lúdica demais????
Ta, tá tá deixei o julgamento de lado e fui deixando ela falar, afinal ela só fazia confirmar minha percepção inicial.....
E então ela me confessou pérolas:
- Que a irmã de vinte e poucos anos era infantolóide porque gostava de Shrek e Hércules
- Que detestava ouvir, que preferia fazer coisas, não tinha paciência para ficar ouvindo
- Que estudava na décima oitava melhor escola de SP
- Perguntou o que eu achava dos nomes Joshua e Celeste, respondi q eram diferentes mas bonitos e ela falou tá mas e daí, vc nunca viu esses nomes em revista, na minha santa inocência respondi q sim em revistas americanas talvez e o outro mais angelical..... ah agora rio de mim mesma , se ela chama a irmã de infantolóide eu devo ter sido bestial....
Mas ela chegou onde queria: disse alfinetadamente sãos os filhos de Pelé!
- Ah tá , mas não deixam de ser crianças como você respondi tentando ver se encontrava naquela criança um raio de inocência, pureza e doçura que os fazem serem crianças e não adultinhos perfeccionistas a la ISO 9000.
- E a conversa proseguiu nesse embalo, as posses do filho de fulano, a irmã no inglês em Harvard , a visão distorcida de q as pessoas q moram em bairros pobres são morenas, forte e altas e as que moram em bairros ricos são magras, baixas e claras....Eu já estava boquiaberta segurando o queixo ...
- Que detestava viajar de carro, bom mesmo era avião, e nada adiantou meu argumento de que de carro a paisagem ficava mais próxima , q era possível ouvir o canto dos pássaros, sentir o cheiro do mato.......
Que nada , caipirice minha ;o importante para ela era ter ou estar com quem tem.
Mas tem o que me perguntei? Sim porque não aguentei o papo e fui curtir a noite enluarada e quente no jardim.
Santo Deus fiquei com pena daquela estrelinha de 12 anos, tão programada quanto a implantação de um projeto de certificação, não duvido de seu sucesso profissional mas e quanto as outras partes que ´compoem um indivíduo?
Sem moralismos ou qualquer conotação religiosa , mas onde estava o amor naquele ser?
Pais na ânsia de preparar seus filhos para um mundo capitalista esqueceram de plantar sementes de humanidade, de humildade, respeito e tantas outras coisas importantes para a totalidade de um indivíduo em seu planeta, não vencemos sendo um robô , ou vc acha que ela está imune as angustias que a vida oferecerá?
Sim porque por mais que ela pense que esse mundo é Harvard, MBA ou tissues do science'book ela viverá no planeta Terra e que seja qual for o continente envolverá não apenas desafios mentais mas muita, muita compreensão de si próprio e do outro com quem indubitavelmente nos relacionamos .
Sabe é duro aprender errando na escola quer dirá então aprender sofrendo na escola da vida.
Prefiro ser Eduardo e Mônica nas aulinhas de inglês....
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