07 abril, 2011

Quando o amor vira neurose

Reproduzo aqui a explicação pontual de Roberto Girola



Como dizia o famoso escritor Camus, por incrível que pareça, para o homem é mais difícil se separar daquilo que não quer do que daquilo que ele quer.
Existem relações amorosas em que fica bastante evidente que o vínculo é baseado na neurose mútua e não no amor. Naturalmente isso é evidente para todos, menos que para os envolvidos.
O que sustenta esse tipo de relações é o encontro de duas formas complementares de neurose, que se encaixam perfeitamente uma na outra. O vínculo é assegurado por essa complementaridade doentia e não por uma complementação saudável.
A neurose gera um tipo de “necessidade”, que é satisfeita através da vivência de situações reconhecidas como negativas, mas que são constantemente buscadas como se não fosse possível viver sem elas.
Quando uma relação é percebida como sendo na maior parte do tempo aversiva, agressiva e frustrante e mesmo assim é mantida, devemos imaginar que algo está mantendo juntas essas pessoas, algo aparentemente inexplicável.
A psicanálise chama isso de “ganho secundário”. Um ganho que, na realidade, não é um ganho e sim uma perda, pois acarreta uma situação de sofrimento e a manutenção de núcleos doentios do funcionamento mental.
No plano afetivo existe uma necessidade inconsciente de “repetir” situações vividas na primeira infância e que ficaram gravadas na mente como grandes enigmas, algo que a mente não consegue processar através do pensamento.
Vamos fazer um exemplo. Imaginemos uma criança que tenha vivido na infância relações de “controle” de tipo sádico. A expressão pode parecer estranha, mas, na realidade, esse tipo de relacionamento familiar é bastante comum.
O controle sádico se estabelece quando a mãe se mostra para a criança como extremamente frágil, sempre a ponto de entrar em colapso, caso a criança não responda exatamente da maneira que ela espera, ou seja, caso a criança não se adapte plenamente às suas necessidades inconscientes.
Para uma criança acostumada a viver esse tipo de relação, o comportamento da mãe é algo enigmático, algo que ela não consegue pensar. Como pensar que a mãe a ama e, ao mesmo tempo, admitir que a mãe está exigindo o tempo todo o seu aniquilamento psíquico. Seria insuportável para a criança pensar em uma mãe sádica desse tipo. Por isso, essas sensações apavorantes são empurradas para o inconsciente, para que não sejam sentidas.
Por outro lado, a mãe ao se mostrar emocionalmente incontinente e frágil, está pedindo o tempo todo que a criança não se oponha aos seus desejos. Está assim estabelecido um controle sobre a criança. Todo controle é por si mesmo “sádico”, pois tende a anular o outro e a amarra-lo psiquicamente, exatamente de forma como um sádico amarra a sua vítima.
Quando crescer a criança tentará dar um significado a esse enigma insolúvel, guardado a sete chaves no seu inconsciente. A única maneira de tentar significar isso será reviver a mesma situação, re-encenar o que originou o seu sofrimento psíquico, na relação com outra pessoa que, de alguma forma, “repita” a relação que ela tinha com a mãe. Essa é uma necessidade do inconsciente, misteriosa, intrigante, uma tentativa desesperada de significar o que não pode ser explicado.
O próprio Freud ficou profundamente perplexo diante desse comportamento do inconsciente que o levou a descobrir que ao lado do instinto amoroso (Eros) existe um instinto mortífero (Thânatos), que nos leva a repetir indefinidamente o que para nós não tem sentido.
É esse mecanismo paradoxal do inconsciente que sustenta esse tipo de relações doentias e que as tornas extremamente dolorosas e, ao mesmo tempo, difíceis de ser rompidas. O que pode mudar isso? O auto conhecimento e a consciência do mecanismo que está por trás da manutenção dessas relações permitirão, aos poucos, romper com a necessidade da repetição do mesmo, permitindo relacionamentos mais saudáveis.

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